A Failed Entertainment é um projecto curatorial de Ana Anacleto para o espaço De Porta a Porta – Travessa da Ermida, desenvolvido em colaboração com a MEEL Press, e que se centra na apresentação de múltiplos de gravura.
O nome do projecto cita o título provisório que David Foster Wallace atribuiu ao seu romance maior, datado de 1996 (e cujo título oficial é The Infinite Jest). Usando o espaço de uma porta (que é também uma montra), na Travessa do Marta Pinto, em Belém, o projecto apresenta à vez, uma única obra de um/a artista convidado/a a produzir especificamente para o contexto proposto.
Socorrendo-se da natural desaceleração e demora implicada nos processos tradicionais de produção da gravura e na complexidade da construção dos projectos assente numa articulação cuidada e intensa entre curadora e artista, o projecto A Failed Entertainment procura posicionar-se como que no reverso da actualidade, nessa dobra do real que permite contrariar a tendência de um mundo dominado pelo digital e por uma perseguição obsessiva do entretenimento.
Interessa-nos, por isso, a assumpção deceptiva do fracasso, a frustração das expectativas, o momento falhado, a desconstrução das narrativas visuais, a negação da percepção imediatista, permitindo a definição de um território de fruição que se posiciona espacial e temporalmente distante do cánon.
O segundo momento do programa apresenta uma obra concebida por Francisco Queirós, desenvolvida e integralmente produzida no atelier da MEEL Press.
Sob o título A nuvem que se tornou osso, o artista decide arriscar a exploração de uma ideia que há algum tempo povoa o seu imaginário: procurar trabalhar sob a égide da imagem não produzindo, para tal, qualquer imagem.
Através do recurso a uma técnica milenar – a aplicação de sumo de limão sobre papel, numa mistura testada e comprovada que permite a ocultação temporária de textos ou formas – Francisco Queirós institui a possibilidade da imagem, encenando a criação de uma imagem em devir.
O sumo de limão, quando activado pela luz do sol, proporciona ao branco do papel emulsionado variações tonais que tendem a adensar-se com a passagem do tempo. A revelação torna-se possível, e nela entendemos a marca da matriz de cobre como um fundo sobre o qual se apresenta uma determinada forma, fruto de um gesto aleatório que a torna, afinal, informe.
À semelhança de uma nuvem – em constante mutação – encontramo-nos não perante uma imagem (estável e definida), mas perante um fenómeno imagético, que desafia a percepção e reafirma o poder do aparelho cognitivo que com ele interage.
Ana Anacleto