A Failed Entertainment é um projecto curatorial de Ana Anacleto para o espaço De Porta a Porta – Travessa da Ermida, desenvolvido em colaboração com a MEEL Press, e que se centra na apresentação de múltiplos de gravura.

O nome do projecto cita o título provisório que David Foster Wallace atribuiu ao seu romance maior, datado de 1996 (e cujo título oficial é The Infinite Jest). Usando o espaço de uma porta (que é também uma montra), na Travessa do Marta Pinto, em Belém, o projecto apresenta à vez, uma única obra de um/a artista convidado/a a produzir especificamente para o contexto proposto.

Socorrendo-se da natural desaceleração e demora implicada nos processos tradicionais de produção da gravura e na complexidade da construção dos projectos assente numa articulação cuidada e intensa entre curadora e artista, o projecto A Failed Entertainment procura posicionar-se como que no reverso da actualidade, nessa dobra do real que permite contrariar a tendência de um mundo dominado pelo digital e por uma perseguição obsessiva do entretenimento.

Interessa-nos, por isso, a assumpção deceptiva do fracasso, a frustração das expectativas, o momento falhado, a desconstrução das narrativas visuais, a negação da percepção imediatista, permitindo a definição de um território de fruição que se posiciona espacial e temporalmente distante do cánon.

O terceiro momento do programa apresenta uma obra concebida por Francisca Carvalho, desenvolvida e integralmente produzida no atelier da MEEL Press.

Sob o título Manoela Ritornella, a artista apresenta-nos uma imagem que, sendo embora resultado de alguma sofisticação técnica e de uma notável complexidade visual, radica a sua natureza num princípio gerador que contraria fortemente essa ideia: a manualidade.

O desenho, entendido como verbo (que se vai ‘desenhando’) é, por excelência, o território especulativo no qual Francisca propicia encontros e descobertas, com as formas, com as matérias, com os ritmos, mas sobretudo também com os processos que dão forma e que permitem conformar as matérias.

Recuperando uma prática com origem na Europa do final do século XIX – a linoleogravura – e cruzando-a com um universo gráfico originário da tradição da xilogravura japonesa – nomeadamente no contexto referencial do Hentai (produção gráfica de carácter erótico ou pornográfico) e do design de padrões e formas tradicionais como as ondas e as nuvens – a artista parte de uma série de desenhos desenvolvidos em 2013 e cria, a pretexto desta exposição, uma nova composição recorrendo agora à cor através do uso de pigmentos naturais (índigo e dióxido de titânio).

À semelhança da série de desenhos elaborados em 2013, que resultam de uma prática orgânica, obsessiva, não-programática, em metamorfose, na qual a mão e as suas rápidas deambulações resultam guiadas por associações inconscientes, também neste caso foi recusado o uso de qualquer desenho preparatório ou o recurso a qualquer concepção formal pré-existente.

Numa construção em camadas (própria, literalmente, da prática tradicional da gravura, mas também entendida metaforicamente na sobreposição das várias referências que somos convidados a descobrir) a obra Manoela Ritornella estende-se ainda para lá do seu suporte físico, propondo uma relação evocativa com o próprio lugar onde é apresentada – Belém, a presença manuelina e o seu contexto histórico de representações visuais.

Ana Anacleto

De Porta a Porta da Ermida

A Failed Entertainment #3: Manoela Ritornella

  • Francisca Carvalho
  • 12 Set 2020 - 17 Out 2020
  • Linoleogravura (óleo com pigmentos branco titânio e preto de marfim sobre óleo com pigmentos de índigo e azul da Prússia, sobre papel Somerset soft white 300g) 146 x 79cm Edição de 3 + 1 PA
  • Curadoria:Ana Anacleto
  • Localização:De porta a porta da Ermida

  

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