Espera por mim

O nosso objectivo ao criar a Ermida é inovar /dinamizar Belém e, em particular, a Travessa do Marta Pinto. Neste espaço emblemático e repleto de história desejamos fazer algo inovador e arrojado, tornando-o assim uma visita cultural obrigatória. Espera por mim, com obras dos artistas Albuquerque Mendes, João Maria Gusmão & Pedro Paiva e Rui Chafes, inaugura-o com a excelência da criação nacional. Seguir-se-ão outras actividades como lançamentos de livros e novas aquisições de arte contemporânea, pois com actividades esperamos no fundo devolver à Ermida o valor merecido. Manter a sua característica íntima de um lugar sagrado, porém abri-la para o mundo actual através de múltiplas acções.

A Direcção

O historiador Herbert Read (1893-1968) afirmava que a história das palavras poderia ser uma boa chave para a compreensão da história das ideias. A sentença de Read é a afirmação máxima da filosofia da linguagem. Antes Sócrates atingiria, certamente, um dos momentos mais sensíveis do pensamento ocidental ao questionar a natureza do próprio conhecimento, pois a isto se revelaria questionar a natureza da própria natureza. Essa afirmação ficou especialmente clara quando Herbert Read tratou das relações entre arte e biologia, entre simetria e natureza, no seminal ensaio Arte hoje (Art now).

Nos livros The Meaning of Art, Education through Art e Art and Society, o autor analisou o modelo de criação artística dentro da tradição epistemológica, ou seja: conhecimento versus empirismo, natureza versus artificialismo. A arte hoje difere da do passado, na medida que no modernismo será impossível ver-se o mundo de forma binária, planar. Em causa, no fundo e na aparecia do mundo, estão a consciência e a vontade de construir aquilo que denominamos mundo. Espera por mim trata de natureza, consciência e ritos de passagens através da arte.Paulo Reis

Sobre os artistas

Albuquerque Mendes (nasceu em 1953, em Trancoso, Beira Alta). Vive e Trabalha no Porto.

“Ver qualquer coisa como arte requer qualquer coisa que o olho não possa se aperceber, uma atmosfera de teoria artística, um conhecimento de história da arte: um mundo da arte”, as palavras de Arthur E. Danto são perfeitas para definir a arte de Albuquerque Mendes. Nas cruzes, freiras, Cristos, santas, putti e retratos – sobretudo nos alegóricos auto-retratos como um crucificado – o artista busca no passado da arte os elementos para falar do estado actual do mundo. A instalação Cruzes (1998, madeira e folha de ouro, 20 elementos, 30 x 21 x 20 cm, cada) especula sobre as ligações entre a arte e a religião, e ainda serve-nos de paradigma para pensarmos num mundo bipolarizado e maniqueísta. Se arte substituiu a religião, como advogou Hegel em seus Cadernos da Estética, ela é único receptáculo da ética como estética para humanidade. Ao ocupar uma Ermida com suas Cruzes, Albuquerque Mendes evoca o lugar do sagrado da arte, única ciência capaz do entendimento universal. Tal como em outras obras suas a libido, o instinto de morte, a transubstanciação de diversos rituais de transfiguração são índices de sua arte e uma oferenda pictórica, tal como o corpo do artista, de um teatro das sensações mutiladas.

João Maria Gusmão (nasceu em 1979, em Lisboa) & Pedro Paiva (nasceu em 1977, em Lisboa). Vivem e trabalham em Lisboa.

A obra Heráclito (2008, vidro, 50 x 50 x 50 cm.) da dupla João Maria Gusmão & Pedro Paiva evoca as ideias do filósofo Heráclito de Éfeso (540 a.C. – 470 a.C.). Pré-socrático que recebeu o cognome de pai da dialéctica quando problematizou a questão do devir em Sobre a Natureza, Heráclito retirou-se da vida mundana passando a viver nas montanhas, alimentando-se de ervas e plantas. Para Heráclito tudo flui (panta rhei), tudo se move, excepto o próprio movimento, sendo o fogo o elemento primordial de todas as coisas.

Tudo se origina por rarefacção e tudo flui como um rio. O cosmos é um só e nasce do fogo e de novo é pelo fogo consumido, em períodos determinados, em ciclos que se repetem pela eternidade. Condensado o fogo se humidifica, e com mais consistência torna-se água, e esta, solidificando-se, transforma-se em terra e a partir daí, nascem todas as coisas do mundo. A obra Heráclito faz parte de um conjunto de imagens dos artistas cuja tónica repousa na natureza – e no seu elemento central que é o devir.

Rui Chafes – Nasceu em 1966, em Lisboa. Vive e Trabalha em Lisboa, Portugal.

Depois de Kant, o problema dos românticos alemães foi o de fugir da metafísica dominante. Em Máximas e reflexões, Goethe afirma que “não são muitas as pessoas dotadas para a apreensão da Natureza, quiçá para a sua utilização imediata. Uns gostam de descobrir entre o conhecimento e a utilização uma espécie de castelo nas nuvens, que se entretêm a aperfeiçoar, esquecendo assim ao mesmo tempo o objecto e a respectiva utilização desta natureza… Do mesmo modo, não é fácil compreender que o que acontece nos grandes domínios da Natureza é o mesmo que sucede nos mais pequenos… Mas rapidamente somos abandonados pelo puro espírito da natureza e apodera-se de nós o demónio do artifício, que sabe sempre insinuar-se em todos os campos”.

Os cientistas e os artistas são os mais dotados para a sua apreensão, sugere. Como o literato que é, o artista Rui Chafes “esculpe” as palavras em suas obras, fazendo-os integrantes do seu significado. Do artificial ferro, matéria densa e dura, o artista concede-lhe formas orgânicas, vivas, fazendo sentir a presença dos motivos insistentes da morte, do eterno devir da natureza. Espera por mim (2007, escultura em ferro, 213 x 67 x 149 cm), apresenta-se como um obra escultórica – e um notável título – sobre essa dualidade natureza versus artifício.

Espera por mim

  • Albuquerque Mendes, João Maria Gusmão & Pedro Paiva e Rui Chafes
  • 22 Julho 2008 - 27 Setembro 2008

  

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