Miguel Palma

Concebida num primeiro momento para a Casa da Música no Porto, edifício que é considerado por muitos como um templo da arquitectura contemporânea, «O Meu Tempo» instala-se agora nesta pequena Ermida que já foi lugar de culto e agora é de contemplação e fruição artística.

Olhemos para a escultura: uma parede auto-portante, solta, com um relógio grande agarrado, daqueles que associamos às estações de caminho-de-ferro do século passado; um relógio vintage, diríamos, colocada no lugar onde antes já esteve um altar. Olhemos um pouco mais, atentemos na hora – o relógio está a funcionar porque vemos o seu mecanismo à transparência a trabalhar – mas, no entanto, a hora não coincide com a do nosso relógio ou a que está universalmente estipulada.

Regressamos ao título «O Meu Tempo», pois, é o tempo do artista. No caso, uma mistura de tempo criativo – quando se cria o tempo fica suspenso, não se dá pelo passar das horas – com o do biorritmo do corpo do artista. Palma criou uma tabela a partir destes vários andamentos e criou um tempo, o seu, consoante os momentos mais acelerados ou menos do seu dia-a-dia: por vezes a aceleração é maior do que o tempo métrico, por exemplo de manhã quando tem que sair depressa, a correr, para um compromisso marcado, e a outras horas menos, quando por exemplo fica a desenhar um circuito automobilístico ou a escrevinhar numa folha de papel. E introduziu esta tabela subjectiva no mecanismo do relógio, daí o facto de não coincidir  com o «nosso» tempo: perderíamos ou teriamos que esperar demasiado pelo comboio se nos guiassemos por este cronómetro.

Aceleração, velocidade e paragem são ideias que sempre interessaram a Palma, uma boa parte da sua obra lida com elas; são conhecidos os seus projectos com carros, aviões, motos, etc. Poderíamos até charmar-lhe, artista-engenheiro porque as suas esculturas são muitas das vezes também literalmente veículos de transporte, ou então movem-se a partir de mecanismos e circuitos mais ou menos sofisticados, ou integram imagens virtuais paralelas aos objectos reais. Real e virtual, orgânico e mecânico, ecologia e maquinaria são dialécticas que atravessam toda a sua obra, mas também o tempo. Logo em 1987, no início do seu percurso artístico, criou uma série de cinquenta relógios em betão que funcionavam tão bem quanto os nossos leves relógios de pulso.

«O Meu Tempo» é assim uma escultura profundamente coerente dentro da obra de Palma, dado que transforma o orgânico em mecânico,  o subjectivo em objectivo e, ao colocar-se no lugar que antes foi o lugar do sagrado e da celebração religiosa, cria mais uma dobra interpretativa: o tempo subjectivo é provavelmente uma das dimensões sagradas da nossa vivência contemporânea acelerada e materialista.

Isabel Carlos

O Meu Tempo

  • Miguel Palma
  • 19 Setembro 2008 - 30 Novembro 2008
  • Instalação

  

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