Vicente em 2016

Todos vós, que amais o trabalho selvagem e o rápido, o novo o estranho, suportai-vos mal a vós mesmos,  a vossa diligência é fuga e vontade de esquecimento do vosso próprio ser. Se acreditásseis mais na vida,  lançar-vos-íeis menos no instante. Mas não tendes em vós conteúdo bastante para a espera – e nem sequer para a preguiça!

Friedrich Nietzche

VICENTE é um projecto artístico e cultural que promove a criação contemporânea em torno de uma ideia: a arte como foco de inovação em prol do que chamamos espaço público mítico. É um projecto que aponta para a possibilidade, focando-se no futuro a partir de um engajamento com uma demora no presente por via da arte. A liberdade de uma arte que é coisa pública, que todos os anos promovemos no quadro de uma Lisboa na Rua, radica numa filosofia específica, em que a ideia da criação como jogo enquadra uma disponibilidade para introduzirmos as questões mais profundas da criação e do pensamento nas nossas vidas, em particular no que nelas implica a relação com o outro. A vida cidadã.

VICENTE é acerca de conectar saberes, cruzar disciplinas e aproximar perspectivas. Um mosaico de alteridades vai estruturando a totalidade que o projecto configura. À sexta edição, vislumbramos hipóteses de como tornar uma antiga narrativa presente no quotidiano de um lugar — a Travessa do Marta Pinto, a Belém — que entretanto se vai articulando com a cidade de Lisboa e a sua vida cultural na perspectiva de, precisamente, gerar uma demora de criatividade, de liberdade e de senso.

O projecto VICENTE tem com efeito uma agenda (aberta), e a sucessão e questões que levanta, sob a forma de metáforas que torna operativas, tem passado por temas culturais e filosóficos como o da ressonância (de um mito luminoso, em 2011), revisitado aspectos da imagiologia religiosa específica de S. Vicente a partir da actualidade (tanto a preto e branco, 2012, como a cores, 2013), explorado territórios cuja complexidade cartografa transdisciplinarmente (os trípticos entrelaçados Natureza, Templo, Abismo, 2014, e Sagrado, Corpo, Imagem, 2015).

Continuamente, as leituras cruzadas que norteiam a investigação-acção funcionam como lemes que orientam cada nova edição num certo sentido (bom porto), para que ao final de uma certa duração, se possa estar perante um modelo de activação cultural do mito através da arte contemporânea e do pensamento, da criação e da reflexão. Este é um projecto que está paulatinamente a rebater o passado no futuro, retrovertendo presentes de diferentes épocas mutuamente e, consequentente, equacionando destinos (fados) — a começar pelo de si próprio. VICENTE é uma figura original para uma comunidade qualquer se ir reconfigurando como tropo, a partir da reinterpretação crítica e da recriação de um mar de símbolos. Seu emblema: um par de corvos negros — natura naturans.

Em 2016, é precisamente a leitura do pensador Byung-Chul Han que nos motiva o acto de em mais um ano agarrar o leme da barca do nosso meta-santo. Tanto A Salvação do Belo como O Aroma do Tempo (edições portuguesas em 2016) são elegantes e sucintas sínteses filosóficas que, numa linguagem extremamente acessível, chamam a atenção para um desígnio cultural que vai sendo perseguido aqui e ali, quase sempre ‘abaixo do radar’ dos media e do próprio status quo cultural. Este é um desígnio sem nome que se desenrola no nosso íntimo, e muitos de nós, mal ou bem, mais depressa ou mais devagar, mais ou menos ligados, mais ou menos informados, vamos introduzindo nas nossas vidas. Byung-Chul Han, hoje e aqui, pode bem ser lido com uma chamada de atenção para o desafio essencial da vida contemporânea articular, aliar tanto quanto possível a vita activa e a vida contemplativa — curto e grosso: o quotidiano e a arte.

» 10/09/2016-30/10/2016» Curador: » Instalação, Intervenção Urbana

 

 

 

Vicente,Vicente 2016

O jogo da glória (ou a Vida na óptica do utilizador)

  • Rochus Aust (Ermida), Miguel Januário (Travessa)
  • 10 Set 2016 - 30 Out 2016
  • Instalação, Intervenção Urbana
  • Curadoria:Mário Caeiro

  

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