A Failed Entertainment é um projecto curatorial de Ana Anacleto para o espaço De Porta a Porta – Travessa da Ermida, desenvolvido em colaboração com a MEEL Press, e que se centra na apresentação de múltiplos de gravura.
O nome do projecto cita o título provisório que David Foster Wallace atribuiu ao seu romance maior, datado de 1996 (e cujo título oficial é The Infinite Jest). Usando o espaço de uma porta (que é também uma montra), na Travessa do Marta Pinto, em Belém, o projecto apresenta à vez, uma única obra de um/a artista convidado/a a produzir especificamente para o contexto proposto.
Socorrendo-se da natural desaceleração e demora implicada nos processos tradicionais de produção da gravura e na complexidade da construção dos projectos assente numa articulação cuidada e intensa entre curadora e artista, o projecto A Failed Entertainment procura posicionar-se como que no reverso da actualidade, nessa dobra do real que permite contrariar a tendência de um mundo dominado pelo digital e por uma perseguição obsessiva do entretenimento.
Interessa-nos, por isso, a assumpção deceptiva do fracasso, a frustração das expectativas, o momento falhado, a desconstrução das narrativas visuais, a negação da percepção imediatista, permitindo a definição de um território de fruição que se posiciona espacial e temporalmente distante do cánon.
Na sétima edição do programa, apresentamos uma obra concebida por Horácio Frutuoso, desenvolvida e integralmente produzida no atelier da MEEL Press.
Estruturando a sua prática a partir do pensamento e dos procedimentos da pintura, Horácio Frutuoso dá continuidade – com a obra Mão Pesada – à sua investigação em torno do uso da linguagem enquanto matéria simultaneamente visual, plástica, discursiva e poética.
Concebendo e pensando a gravura como um vasto campo de possibilidades de produção imagética – com a sua tradição, por definição, reprodutível – e assumindo o desenho, e a manualidade inerente à sua prática, como território de exploração, o artista propõe-nos uma tensa convivência entre várias instâncias da imagem, promovendo uma tentativa de esbatimento das hierarquias que habitualmente sobre-elevam os domínios da visualidade em detrimento dos domínios da textualidade.
As várias camadas que compõem o desenho sobrepõem-se, e a leitura da ‘imagem’ detém-se – num contínuo de avanços e recuos – no aparato de regras subjacentes à leitura do ‘texto’, permitindo que questionemos a ordem dessa leitura enquanto procuramos o punctum da imagem.
Subimos, descemos, articulamos, da esquerda para a direita, na diagonal, de trás para frente. O nosso olhar percorre a página perscrutando-lhe o sentido, relembrando-nos que a leitura é um processo cognitivo que se constrói no sujeito. E que, apesar das inúmeras armadilhas visuais a que está sujeita a imagem resiste, configurando-se, como refere Rancière, no domínio das ‘imagens pensativas’.
O projecto encontrar-se-á disponível para visita 24h sobre 24h, durante todo o período expositivo anunciado.
Ana Anacleto