Mata-velhos

Primeiro foi a curiosidade, depois a estupefacção, por fim a admiração. António Carrapato, fotógrafo, alentejano, de um metro e noventa de altura, moldado às velocidades das redacções de fotografia dos diários nacionais, vê nos “Mata-velhos” (nome por que são conhecidos no Alentejo os veículos de dois lugares que não requerem dos condutores carta de condução) um enigma. “Pequeno e lento, quem quer?”.

Com o passar dos tempos, e já lá vão alguns anos desde que fez destes veículos um objecto de observação, começa a ver-se, muitas vezes, de boca aberta, perante o arrojo dos condutores dos ditos carros. “Como é que o velho passa o STOP em claro a esta velocidade?”.

Mas a sua fixação por este meio de transporte transformou-se em “puro e doce” – expressão muito comum no discurso do fotógrafo – afecto. Hoje, mais do que a fisionomia e o desembaraço dos “Mata-Velhos”, António Carrapato deslumbra-se com as capotas, os apetrechos escolhidos para a decoração dos seus interiores e, especialmente, com a relação que os donos nutrem pelo carro. “São verdadeiras paixões!”. E é essa genuína devoção que o fotógrafo pretende trazer até Lisboa, à Ermida de N.ª S.ª da Conceição.

Representando esta viagem para o autor uma dupla travessia. Fazer chegar à capital, à urbanidade, o que prevalece ainda de exótico na província, na ruralidade, e passar da margem da fotografia jornalística para a margem da fotografia que considera “mais livre”, porque, explica, lhe permite “uma busca mais séria da ironia”, adjectivo supremo – a ironia – que ele diz perseguir na fotografia e que também dizem os outros, colegas de profissão, admiradores anónimos e amigos, ser o elemento mais distintivo do seu trabalho. Nas suas fotografias a imagem resgatada é espontânea, humanística e humorística, anedótica, se for preciso, mas, não menos, próxima, atenta e crítica dos detalhes da realidade.

Sobre esta “experiência”, como prefere designar esta exposição, o autor afirma que é “a primeira [do género] a valer”. Para ela conseguiu apresentar uma ideia, ter aceitação dessa ideia e compô-la, em múltiplas e, para si, totalmente novas vertentes. Com o público da Ermida de N. ª S.ª da Conceição partilha seis fotografias, um vídeo e um “Mata-velhos”. As fotografias têm muito do carinho dos donos pelos carros, o “Mata-Velhos” demonstra o conforto e potencialidades possíveis que estes veículos proporcionam aos ocupantes e o vídeo dá entrada directa para um trajecto feito num deles.

Filmado no percurso Évora-Lisboa, até à porta da Ermida de N. ª S.ª da Conceição, o vídeo “Eu e o meu Mata-Velhos” prova a António Carrapato que ele cabe num “Mata-Velhos”, mas que, apesar da economia em combustível (apenas oito euros nos quase 200 quilómetros de todo o percurso) está assim substituída uma ida a Fátima a pé, que há muito andava a querer fazer. O ruído dentro do veículo e o confrangimento que lhe causou provocar tantos engarrafamentos ao longo da EN 10 só foram compensados pela descoberta de que, provavelmente, é a sensação de autonomia conferida por este “carro-brinquedo” o que o torna tão cobiçado e tão estimado por aqueles que, ou pela idade, ou por outra qualquer condição, não conseguem obter a carta de condução, mas que querem os mesmos benefícios de um encartado: “ser donos e senhores dos seus destinos”, conclui António Carrapato, para quem, aos 43 anos de idade, o maior sonho enquanto fotógrafo é “continuar a fotografar”.

Antonieta Félix

Mata-velhos

  • António Carrapato
  • 24 Julho 2010 - 12 Setembro 2010
  • Fotografia

  

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