Ver

Idanha-a-Velha ou a grande cenografia da memória é hoje um local chave para a intervenção cultural no interior do país. A aldeia-que-foi-cidade-romana-e-muito-mais, conseguiu congregar o interesse de comunidades criativas muito distintas, responsáveis por um dinamismo que tem convertido, pouco a pouco, o território num espaço privilegiado de experimentação e diálogo.

Renovando este princípio, o Lagar de Varas e a Capela de S. Dâmaso convertem-se no ponto de encontro de duas abordagens, dotadas de personalidades distintas, mas ambas visando a valorização cultural, a promoção turística e a partilha de experiências únicas: o Projecto Travessa da Ermida e o Centro Cultural Raiano | Município de Idanha-a-Nova.
VER é , uma vez mais, o resultado dessa convergência: uma exposição cuja narrativa é construída a partir do cruzamento do arquétipo do património histórico construído com o discurso criativo contemporâneo, fluido, dinâmico e provocador.

VER fala-nos daquilo que procuramos ao visitar um espaço artístico. A nossa capacidade para ver, não só olhar, mas compreender, é afetada por várias questões, desde as peças em si, até aos estados de alma de quem visita, passando pelas características do espaço em que as obras de arte estão a ser apresentadas.

Remetendo para a visão, a exposição começa com as peças de João Noutel, que nos põem em tensão no nosso papel de observador, mas também de observado. Numa reflexão sobre o ‘eu’, os artistas põem o público em cheque: Qual o papel da audiência numa exposição? O que é que eu trago como experiências pessoais, a minha identidade, e de que forma isso afeta a minha forma de ver? A identidade da audiência é medida pelos artistas em antecipação e autorreflexão. Na primeira sala, aborda-se exatamente esta questão da identidade na arte – a do artista, a do público, aquela fornecida pelo contexto expositivo e também pelas outras obras em exposição. No contexto da identidade, apresenta-se as obras de Bela Silva, Madalena éme, Paulo Brighenti, Nelson Cardoso e Susanne Themlitz.

A procura do sublime é inerente ao ato de contemplação. Questionar-se sobre o que torna os objetos artísticos em algo extraordinário parece ser algo que nos aborda com uma qualidade quase divina. Através da criação, estes artistas – Alberto Carneiro, Rui Chafes, Valter Vinagre e Albuquerque Mendes – indagam por uma forma de transcendência, seja por uma ligação orgânica à natureza, uma reflexão quase irónica sobre a religião, ou por uma pesquisa filosófica ou temporal.

Daniel Blaufuks remete-nos para um jogo de transparências. Entre a luz e a escuridão, a última sala lembra-nos daquilo que precisamos em primeiro lugar para apreciar arte: a capacidade física de olhar. Nesta última sala, pouco iluminada, chama-se à atenção para a forma como a arte precisa de luz e como esse elemento físico, quando desafiado, pode criar novas formas de ver e sentir. A escuridão da sala é desafiada pelos focos de luz das peças de João Maria Gusmão + Pedro Paiva e Albano Afonso.

É evidente que as peças apresentadas em cada sala não se fecham nos temas da identidade, transcendência e luz. Na verdade, cada obra aborda estes tópicos de forma distinta e expande-se para outros. A escolha de apresentar as obras segundo um tema serve somente como introdução: para que seja mais fácil entrar no mundo privado de cada obra de arte, esperando, assim, que mais temas e reflexões possam surgir.

Paulo Longo
Mariana Salgueiro

Ermida Fora de Portas

Ver

  • João Noutel;Bela Silva, Madalena éme, Paulo Brighenti, Nelson Cardoso e Susanne Themlitz, Alberto Carneiro, Rui Chafes, Valter Vinagre e Albuquerque Mendes,Daniel Blaufuks,João Maria Gusmão + Pedro Paiva e Albano Afonso
  • 22 Jul 2017 - 01 Out 2017
  • Curadoria:Paulo Longo Mariana Salgueiro
  • Localização:Centro Cultural Raiano | Município de Idanha-a-Nova

  

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