Tomara que chova

Esta mostra surge no âmbito do ciclo de exposições de Arte Contemporânea – coproduzidas pelo Projecto Travessa da Ermida, em Belém, e pelo Convento Cristo, em Tomar – que visa levar a Arte Contemporânea a este emblemático monumento da história de Portugal.

Ao longo de mais de dez anos, Ana Pérez-Quiroga foi construindo um sólido corpo de trabalho onde o têxtil assume o protagonismo das suas criações. Nesta exposição a artista reúne, pela primeira vez, mais de duas dezenas de peças que exploram o jogo visual, sensitivo e simbólico num diálogo aberto com o espaço do Convento de Cristo.

Em “Tomara que Chova” a artista serve-se do media têxtil para estabelecer um diálogo com o universo de época do Convento de Cristo, explorando os conceitos de tapeçaria, cortinas, estandartes, bandeiras, tapetes ou cobertas, utilizados à data. Explora o lado doméstico e o ‘habitat’ daquele espaço, cujas paredes inóspitas se tornavam mais confortáveis através da inclusão de têxteis. Estes materiais cumpriam não só uma vertente funcional, que seria o conforto, mas também uma componente simbólica-narrativa, dado que muitos deles retratavam batalhas, cenas de caça, mitológicas, ou religiosas.

Sobre o seu interesse pelo têxtil, a artista explica:A primeira vez que, deliberadamente, elegi o tecido para trabalhar foi numa instalação que fiz para o espaço Casa d’Os Dias da Água, em 2003. Aqui apresentei “E”, uma peça com 14 panos de tela branca, 14 panos de cetim de dupla face (exterior preto, interior vermelho), com calendário serigrafado. Foi neste momento que percebi que o tecido permitia criar arquiteturas e fusões entre o interior e o exterior, entre o que está dentro e o que está fora”.

//Entrevista a Ana Pérez-Quiroga conduzida por Catarina da Ponte a propósito de “Tomara que chova”  a 7 de fevereiro de 2015

Ao longo de mais de uma década, Ana Pérez-Quiroga foi construindo um sólido corpo de trabalho onde o têxtil assume o protagonismo das suas criações. Nesta exposição a artista reúne, pela primeira vez, mais de duas dezenas de peças que exploram o jogo visual, sensitivo e simbólico num diálogo aberto com o espaço do Convento de Cristo.

Quando te foi feito o convite para fazeres uma exposição no Convento de Cristo, em Tomar, idealizaste de imediato o que poderias/querias mostrar naquele espaço?

Quando fiz a primeira visita de reconhecimento ao Convento de Cristo, foi-me impossível deixar escapar um sentimento de história que o espaço inspirava. Ocorreu-me a ideia de “viagem” e pensei: porque não revisitar o conjunto de trabalhos que tenho vindo a produzir ao longo destes anos e utilizar o espaço como elemento de reforço dessa noção de releitura? O Convento de Cristo reunia as condições ideais para apresentar ao espetador as 24 instalações de um conjunto mais alargado da minha obra.

O que te diz este monumento histórico nacional, em particular?

Toda a minha vida conheci este monumento, primeiro enquanto criança, com os meus pais, depois nas visitas escolares, e mais tarde, nas sucessivas licenciaturas que fui tirando, História, Design e Escultura. O meu entusiasmo pelo Convento de Cristo foi crescendo, à medida que o meu conhecimento sobre este monumento ia aumentando. Visitei-o mais de dez vezes, aliás, quando tenho cá amigos estrangeiros, este é um dos locais a que os costumo levar. Mas curiosamente, nunca tinha pensado que um dia teria aqui uma grande exposição. A vida surpreende-nos sempre!

 Quais foram os teus critérios de seleção das peças?

Queria mostrar peças que pudessem criar uma ligação direta com o Convento de Cristo, e por isso, grande parte das obras que apresento têm como ´media’ o têxtil. É através deste material que dialogo com o universo de época deste monumento e que exploro os conceitos de tapeçaria, cortinas, estandartes, bandeiras, tapetes ou cobertas, utilizados à data. Interessa-me abordar o lado doméstico e o ‘habitat’ deste espaço, cujas paredes inóspitas, se tornavam mais confortáveis através da inclusão de tapeçarias e outros têxteis. Estes materiais cumpriam não só uma vertente funcional, associada ao conforto, mas também uma componente simbólica e narrativa, uma vez que muitos deles retratavam cenas de batalhas, de caça, mitológicas, ou religiosas.

Por muito que possamos ler livros sobre esta época, criamos também uma fantasia que, inevitavelmente, incorporamos na construção de uma imagem e que não tem necessariamente de corresponder à realidade. Com esta exposição pretendo dialogar não só com aquilo que realmente conhecemos, mas também com aquilo que podemos projetar.

Por outro lado, o têxtil funciona também como o grande unificador desta viagem – entre 1998 e 2015 – em que fui produzindo em simultâneo peças em têxtil e em outros ‘media’. Nesta exposição incluí também sete instalações, que não são realizadas em têxtil, mas que em conjunto com as restantes complementam a narrativa poética e reforçaram o diálogo com o Convento de Cristo. Deste núcleo fazem parte dois néons: o “Turn me on” e o “Casa Comigo” (2012), o “Breviário do Quotidiano #4” (1999), os ‘outdoors’ “Quotidiano Abreviado #3” (2003) e “Breviário do Quotidiano #7” (2000), a obra “6 berlindes 2 vidros 6 buracos, mesmo” (2012) e “APQ Trunks & Bags Africa América Ásia Europa Oceânia #1” (2009).

Que outros corpos de trabalho estás a excluir nesta mostra?

Estou a excluir um corpo de trabalho que é imenso, o da fotografia e o de desenho (que aliás nunca o mostrei), bem como outro tipo de instalações que também não fazia sentido incluir.
Mas para uma melhor perceção é possível visitar outros exemplos dos meus trabalhos em www.anaperezquiroga.com e www.anaperezquirogahome.com.

O que te seduz no têxtil? Em que momento começaste a incorporá-lo na tua prática artística?

Tenho um grande prazer em trabalhar tecidos, especialmente as sedas, porque são uma matéria muito sensitiva. A esta profunda sedução pelo tecido, junta-se outro grande prazer – a cor. Todos os tecidos vivem disso mesmo, de cores.

A primeira vez que, deliberadamente, elegi o tecido para trabalhar foi numa instalação que fiz para o espaço Casa d’Os Dias da Água, em 2003. Aqui apresentei “E”, uma peça com 14 panos de tela branca e 14 panos de cetim de dupla face (exterior preto, interior vermelho), com calendário serigrafado. Foi neste momento que percebi que o tecido permitia criar arquiteturas e fusões entre o interior e o exterior, entre o que está dentro e o que está fora. Mais tarde, em 2005, levo comigo estes tecidos para uma residência artística em Tânger e é, então, que me apercebo que o tecido é, de facto, algo maravilhoso para a minha vida e, concretamente, para minha prática artística: é dobrável e transportável, ao contrário de uma tela ou de um papel, por exemplo. O têxtil permitiu-me, ao longo de todos estes anos nas inúmeras viagens e residências artísticas que realizei construir um corpo de trabalho consistente.

Estamos a falar de peças que, na sua maioria, são instalações. Foram concebidas para contextos expositivos específicos. Não haverá o risco de, ao serem reinstaladas, se tornarem fragmentárias?

Não concordo nada com isso, as instalações (pelo menos, as minhas) vivem para além do primeiro contexto onde foram expostas. Na verdade não trabalho,  numa lógica de contexto específico, proponho-me sempre a alternativas de reinstalações diversas, num exercício de questionamento: “como é que esta instalação poderia reforçar a sua eficácia?”. Nesse sentido, as instalações nunca serão fragmentárias. Para mim, o contexto específico significa colocar uma “cápsula” na instalação. No que diz respeito às minhas peças, isso não faz qualquer sentido, visto possuírem uma autonomia própria. Se, num primeiro momento, foram pensadas para um espaço específico o seu deslocamento não as inviabiliza conceptualmente para além desse primeiro local.

Podemos considerar que esta exposição é quase uma antológica, uma vez que inclui trabalhos de 1998 até à atualidade. Há 17 anos, imaginavas que o resultado de todos estes anos de trabalho podia ser algo semelhante ao corpo de trabalho que apresentas aqui?

Claro! Sempre me projetei no futuro. Fui trabalhando e construindo peças, que talvez nessa altura poderiam não fazer sentido entre si, por serem tão distintas. Mas sabia que com o tempo iria construir um sólido e coerente corpo de trabalho. No fundo, previa que a minha linguagem seria reconhecida através da ampliação do meu trabalho e, de repente, passados todos estes anos, tenho este conjunto de peças, que fazem todo o sentido. Não só porque têm uma pertença formal dentro de cada núcleo como também, porque ao serem agregadas noutros núcleos maiores, criam uma nova densidade. Sempre pensei que o meu trabalho necessitava de ser visto a partir de um grande conjunto de peças para se compreenderem algumas das temáticas que trabalho, desde o entrosamento entre a instalação/escultura aliado à ideia de não-monumento, passando pelo binómio temporalidade/teatralidade, até ao papel de performer do espectador. Nesta exposição consegue-se perceber que a minha linguagem plástica vive de uma fusão entre escultura, design de interiores, design têxtil, arquitetura, moda e pós-feminismo. Tudo isto só se pode entender no contexto de pós-modernidade em que vivemos.

Sentes que este foi o momento e o contexto certo para mostrares este teu corpo de trabalho?

Sim, eu gosto da ideia de que a vida nos proporciona determinadas vivências em momentos concretos da nossa existência. Se esta oportunidade me foi dada agora, é porque este é o momento certo, sobretudo, para apresentar o meu trabalho em têxteis que tenho realizado com consistência e regularidade. O conjunto de trabalhos aqui reunidos devido ao ‘media’ utilizado e à sua extensão ganha uma nova amplitude. As ações que fazem parte da minha prática artística são imediatamente visíveis ou reconhecidas.

Queres falar, em especial, de alguma peça?

Sim, posso falar da peça, “Quem tem telhado de vidro não atira pedra” (2006), constituída por um conjunto de 42 pedras forradas com tecido, onde – de uma forma irónica – utilizo tecidos leves como a crina, espécie de entretela que dá corpo aos casacos de alfaiate, por oposição à dureza e ao peso das pedras. Nesta peça o espetador vai poder vê-la, olhando para cima e sentindo a atmosfera de um telhado de vidro. Esta instalação é um elemento de unidade entre as obras presentes e o restante conjunto da minha obra. De alguma forma, os meus trabalhos têm sempre implícitos uma “piscadela” ao espetador, o objetivo é que ele se divirta, que tenha um momento lúdico e que pense sobre o significado da obra com a qual acabou de interagir.

Dado que o teu trabalho tem uma forte componente autobiográfica e autorreferencial, poderíamos afirmar que esta exposição é quase uma “biografia visual de Ana Pérez-Quiroga”?

Esta grande exposição onde apresento 24 peças em têxtil, na sua maioria, não é uma revisitação ao meu universo autobiográfico ou autorreferencial, porque para isso teria que incluir outros trabalhos (noutros ‘media’) que fazem parte do meu corpo de trabalho.

O que apresento aqui é muito mais uma biografia de objetos, a que chamo de “objetos flexíveis”. Ou seja, não são apenas cortinas, tapeçarias ou panos, porque são geradores de novos espaços e de novos ambientes. Nesse sentido, a biografia pertence aos objetos e cada um encerra em si uma história e uma ação performativa.

 

 

 

 

 

 

Convento de Cristo,Ermida Fora de Portas

Tomara que chova

  • Ana Perez-Quiroga
  • 15 Abr 2015 - 21 Jun 2015
  • Instalação
  • Localização:Convento de Cristo, Tomar

  

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