Como em outros trabalhos de Sandra Baía, a obra está e não está, permanecerá (para sempre) e já (se) foi (embora). Ora se nos afigura presença discreta, escondendo-se; ora forma assertiva, no seu minimalismo clean em contraste com as marcas do tempo; ou ainda – e talvez acima de tudo – um motivo espacial, uma coisa-(não-)lugar que ressoa a identidade do sítio como que a insinuar, com toda a elegância da inteligência plástica, um inusitado desassossego no seio do real. O espectáculo da ideia.

Nesta peça concebida para o Museu do Carmo, a intervenção explora a arquitectura num registo exigente e simultaneamente informal. Num rasgo, a espelhada esfera (um símbolo essencial) aglutina um magma de narrativas intemporais, de que o testemunho humano – hoje, o reflexo dos passantes – é um rumor casual, mas ao mesmo tempo o factor fundamental para a obra ser coisa pública, vivida, gerar atmosfera. Nestas ruínas cheias de história, estamos perante um convite à abertura do estético, para lá de todos as formalidades e calendários, de todos os acontecimentos, e, considerando-se o tema do Projecto VICENTE, das próprias vicissitudes do divino. Sobre aquilo de que não conseguimos falar, é melhor calarmo-nos.

O nome da obra, uma trouvaille de última hora, são coordenadas geográficas: N 38º42’43.668” W 9º8’21.946”. Definem o ponto exacto onde chegaram as relíquias de São Vicente à Lisboa de há séculos sem conta. Efémero, o gesto de Sandra Baía – este vazio trasladar das coordenadas de um facto histórico para novo local (nada por acaso um excelso património da cidade de Lisboa), remete paradoxalmente para a perenidade das ideias e dos conceitos. Recorrência do fundamental, regresso do mudo, concreção de vidas passadas e valores futurantes, trata-se sobretudo de a artista constituir-se testemunha de um desejo de fazer sentido sem que isso implique qualquer mensagem.
Mário Caeiro

Vicente,Vicente 2018

N 38º42’43.668” W 9º8’21.946”

  • Sandra Baía
  • 01 Set 2018 - 30 Set 2018
  • Localização:Museu Arqueológico do Carmo

  

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