A apresentação de Entalada de Sandra Baía na Travessa da Ermida trouxe-me memória de outras obras.

Em Lisboa, os Entalados da década de 50, expressão empregue por Keil do Amaral para denominar as obras figurativas realizadas para os prédios de rendimento, maioritariamente na Avenidas Novas de Lisboa. Estas obras estavam literalmente, e na sua maioria, colocadas entre a parte superior das portas de entrada dos prédios e outros elementos arquitectónicos da fachada como janelas ou varandas do primeiro andar, gerando um efeito visual de aperto ou tensão. Na época foram realizadas muitas obras que eram representações de mulheres e ficaram vulgarmente conhecidas por As entaladas, daí a origem e inspiração no nome da obra apresentada.

Em 1961, Christo e Jean Claude apresentaram Wall of Barrels – The Iron Curtain, Rue Visconti em Paris. Esta obra consiste em oitenta e nove barril de petróleo empilhados numa rua estreita, somente durante oito horas, de forma a obstruir a circulação na rua. Foi pensada no contexto do início da construção do Muro de Berlim em 1961 e dos protestos e barricadas como reação à guerra da Argélia.

Esta sensação de tensão, dada por algo que está comprimido ou forçado entre duas estruturas já existentes surge também no trabalho de Sandra Baía, que consiste numa esfera espelhada com 5 metros de diâmetro pensada especificamente para ser colocada entre as fachadas exteriores de dois edifícios na estreita travessa da Ermida, permitindo a circulação por baixo da obra.

Ao passarem por baixo da obra os visitantes interagem com a esfera espelhada da mesma maneira que se interage com as obras de Michelangelo Pistoletto (1933), fazendo parte dela, criando histórias, mas com uma diferença: como o reflexo é de 360º e esférico. Tudo o que se encontra à sua volta será refletido, incluindo o observador, o que nos remete para a obra O Casal Arnolfini de Jan Van Eyck de 1434 na qual encontra uma representação de um espelho com a forma de um círculo que gera imagens e reflexos destorcidos da sala e dos objetos onde se encontra o casal retratado. É um jogo de imagens que se acentua através distorções e profundidade de campo suscitando ao mesmo tempo a curiosidade do observador.

Tensões e reflexos têm sido ao longo dos anos sujeitos de investigação no trabalho de Sandra Baía: a tensão criada por um ligeiro desequilíbrio em estruturas que são aparentemente estáveis ou equilibradas e reflexos pela utilização de materiais que são espelhados.

Na obra Entalada, pela ação subtil da artista, pela presença do observador e pelo espaço onde está integrado, uma esfera perfeita vê a sua perfeição estrutural alterada.

Lourenço Egreja

Ermida Fora de Portas

Entalada

  • Sandra Baía
  • 01 Mai 2018 - 31 Mai 2018

  

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