FUSO 2017

Andrés Denegri, Ayrson Heráclito, Cao Guimarães e Enrique Ramírez
– Testemunhas de um Tempo –

Desde sua criação, em 1983, o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil vem estabelecendo profícuas parcerias e diálogos com instituições de inúmeros países. Se, no primeiro momento, nossos parceiros naturais vinham de países latino-americanos – então também realizando seus primeiros festivais de vídeo –, atualmente eles estão no mundo todo.

Reflexo importante desse momento inicial, a presença de obras e artistas latino-americanos é uma das marcas distintivas do Acervo Histórico Videobrasil. Além disso, atualmente esse acervo é um dos principais guardiães da memória videográfica na América Latina, uma vez que – vítimas dos anos – outras instituições pioneiras desapareceram, levando consigo suas coleções e acervos.

Com obras de Andrés Denegri, Ayrson Heráclito, Cao Guimarães e Enrique Ramírez, o recorte do Acervo Histórico apresentado na atual edição do FUSO busca, em um só gesto, lançar luz sobre essa trajetória e indicar os percursos que o Festival projeta para seu futuro. Não é, contudo, só a proximidade geográfica que estabelece uma identidade entre estas obras. Existe em todas, de maneiras distintas, uma fala sobre a ausência, sobre a perda e sobre a finitude da vida – “o solene sentimento de morte, que floresce no caule da existência mais gloriosa” de que nos fala Carlos Drummond de Andrade.

Contra um fundo político, religioso ou pessoal, essas vozes aproximam-se de nós como animais domésticos, em sua devoção familiar e quotidiana. Aqui, o mar, a morte, o jardim e a cidade estrangeira surgem como instâncias de um lamento por um afeto ou um lugar perdido. Frente a ele, restamos nós, solitárias testemunhas de um tempo que se vai e deixa, sem testamento, sua herança.

Solange Farkas

Programa

Andrés Denegri

Uyuni

2005, 8’08’’

Em diversos vídeos, Andrés Denegri constrói um universo audiovisual a partir de articulações entre as noções de proximidade e distância. Em Uyuni, essa articulação dá-se entre áudio e imagens: vozes em off de um homem e uma mulher relatam o diálogo de um casal num quarto de hotel em Uyuni, cidade boliviana famosa pela sua proximidade com o Salar. Eles comentam a sua estadia, presos entre o tédio e a espera. O uso do discurso indireto reforça a sensação de distanciamento provocada pelos planos gerais da cidade. Como ruído de fundo, ouvimos trechos de uma rádio peruana, onde uma liderança camponesa fala sobre a preservação dos recursos naturais.

Ayrson Heráclito

Funfun

2012, 4’08’’

A obra é um réquiem para Estelita de Souza Santana, juíza perpétua da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte (Cachoeira-BA), morta aos 105 anos. Um mito local que identifica sacerdotisas negras e garças brancas inspira a narrativa, que explora a simbologia relacionada ao branco (“funfun” em iorubá), comumente associado a pureza, maturidade e sabedoria, indicador de luto em países orientais e cor do deus negro Obatalá. A partir dessa profusão de símbolos, o artista cria o seu próprio ritual fúnebre.

Enrique Ramírez

Pacífico

2012, 2’42’’

Pacífico mostra um mar agitado, noturno e, aparentemente, indecifrável. Sem referências que o localizem, é um fragmento indefinido do oceano. Embora tenha admitido a brutalidade de suas ações durante o regime militar de Pinochet, o exército chileno nunca revelou o paradeiro das suas vítimas.

A maioria é identificada como tendo sido “atirado/a ao mar”, ou seja, irrecuperáveis. Em Pacífico, o mar torna-se uma memória que assombra em silêncio a noite da história.

Cao Guimarães

Concerto para Clorofila

2004, 7’23’’

Como um passeio contemplativo, em Concerto para Clorofila a câmara persegue as diferentes formas e cores de um jardim. Detendo-se sobre diversos tipos de plantas e folhas; repara na passagem do sol pelas copas das árvores, nos seus reflexos na água e as analogias formais que jogos de luz e sombra produzem no espaço. A câmara flana; o seu registo aproxima-se do encantamento curioso, que ora faz lembrar o olhar infantil sobre um mundo recém-conhecido, ora remete à visão subjetiva de um insecto ou pássaro, passeando como se buscasse algo. Delicada, a música composta pelo O Grivo é executada pelo próprio artista, numa espécie de desdobramento musical da mise-en-scène do vídeo.

  

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