Ponto azul sem cor

A obra de Pedro Cabral Santo, desde a década de 90 (década que recebe de autores como Craig Owens ou Hal Foster uma crítica das representações, ou seja, das “imagens censuradas”, e ainda formas de escapar à “tirania” do objecto vinda do minimalismo), toda a sua obra e esta instalação em particular (um lápis, um objecto, uma direcção, uma palavra ou linguagem em potência), impelem-nos a uma retrospectiva (síntese) de alguns aspectos de certo “século XX”.
Se pensarmos numa via que nos leva do readymade à Pop ou ao minimalismo (mas a propósito desta obra do Pedro Cabral eu referiria Oldenburg), vemos que há aqui uma reificação (não exaltação, é diferente) do objecto. Mas a reificação, enquanto transformação de um conceito numa coisa/objecto, e enquanto tal, não pode dispensar a linguagem. Por isso Thierry De Duve nos fala do readymade como um “nome próprio”. Mas, se aceitarmos as teses do conceptualismo mais ortodoxo (o linguístico de Kosuth), sabemos, com Wittgenstein, que o nome pode estruturar a linguagem e esta não deixa de repetir “imagens”. Investigação Filosófica nº 115: “Estávamos presos a uma imagem. E dela não podíamos sair, porque ela própria estava na nossa linguagem, a qual nos parecia repeti-lo implacavelmente” (“Philosophical Investigations”, 115). Ora é por isto, por este balançar entre linguagem e imagem no objecto (ou no “objecto” como síntese da imagem e da linguagem), creio eu, que Kosuth vai considerar a arte como um “jogo” auto-suficiente.
Portanto, mesmo quando o objecto parece predominar ou ordenar-nos (o que fazermos, que direcção tomar – o que um lápis faz melhor que qualquer outra “coisa”), mesmo aí, diz-nos esta obra de título “Ponto Azul”, o caos é a nossa opção de liberdade, de desobedecer e de praticar aquilo que os situacionistas chamavam “desvio”: mudar o sentido e o significado de objectos (eventualmente estéticos) pré-fabricados ou predeterminados.
Numa anterior exposição (“Absolutely”, 2015), Pedro Cabral dizia-nos tal ser possível: a prática do “desvio” como crítica artística e social. Quando refez o “2001” de Kubrick e pôs astronauta e computador a falarem em Dow Jones e comunismo.
Ora, o lápis é o mais potencial dos objectos, liga-se à palavra e à imagem (pintura, desenho….), indica, aponta, ordena de forma incisiva. Este é o ponto crucial da arte, a questão da palavra e da imagem. Se se pretende o domínio de uma das partes, tudo se desmorona. No “Moses und Aron” de Schoenberg, a vontade de Moisés em fazer que a palavra/ideia dominasse isoladamente fê-lo ter de reconhecer, no final: “perdi a palavra”. Há portanto nesta exposição uma ordem e a ela podemos (teremos) de desobedecer.

Carlos Vidal

Dragon´s Lair

  • Pedro Cabral Santo
  • 18 Junho 2016 - 21 Agosto 2016
  • Instalação
  • Ver Publicação

  

Projecto Travessa da Ermida © 2020. Todos os direitos reservados